
PREVENÇÃO NO SECTOR BANCÁRIO
A prevenção do risco de abuso das instituições é uma prioridade estrutural do quadro legal enformador do exercício da atividade no sector bancário e da supervisão prudencial. Trata-se de uma problemática vasta nela se integrando a prevenção da finança ilícita, rectius fluxos financeiros ilícitos, que se examinou circunscrita à prevenção do risco de instrumentalização de uma instituição do sector bancário, intencional ou não, por atividades ilícitas, criminosas em especial, unicamente no que respeita à prevenção dos riscos de fraude e de corrupção.
– A evolução do quadro que se mencionou recebeu influência marcante da conceção, de acordo com a qual o reforço do capital de um banco não é a única opção para lidar com os riscos. Um traço distintivo desta influência consiste na obrigatoriedade da modelação do governo societário e do sistema de controlo interno em conformidade com o que dispõe o Aviso nº3/2020, nomeadamente a adoção do modelo das três linhas de defesa.
– A mensagem de fundo desta evolução é a de constituir as matérias ditas de governação societária, cultura de risco em particular, numa espécie de guarda avançada da gestão sã e prudente, vinculada a deveres éticos e fiduciários, e da integração do risco não-financeiro no seu núcleo essencial, dos riscos operacional (maxime o associado às tecnologias de informação e comunicação), legal, reputacional e estratégico em especial.
– Pode afirmar-se que a intenção da supervisão prudencial foi a criação de um governo interno dotado de uma estrutura organizacional e planeamento estratégico que opere numa lógica de coordenação integrada entre as normas públicas e o disposto no Código de Conduta da instituição, e dos normativos internos que o desenvolvem e concretizam.
– Como se assinalou, pretende-se sujeitar a controlo e fiscalização interna, a todo o tempo, o funcionamento corrente da atividade desenvolvida ou a desenvolver, com um desiderato que se sintetiza assim: avaliar se o Banco é Banco a ser Banco, o Colaborador é Colaborador a ser Colaborador, o Cliente é Cliente a ser Cliente, o Prestador de Serviços é Prestador de Serviços a ser Prestador de Serviços, ou se estas qualidades estão a ser, ou podem vir a ser, instrumentalizadas a fins indevidos, ilícitos em especial, fraude e corrupção, em particular.
– Outra influência marcante na evolução do quadro legal em apreciação manifesta-se no propósito de tutelar outros racionais de política pública além da estabilidade financeira. Neste sentido, a cooperação internacional, europeia e nacional, vem fazendo convergir a prática do sector bancário com outras prioridades públicas que se mencionaram, destacando-se a relativa à segurança nacional, à transparência, à integridade e à cibersegurança de serviços essenciais, além de outras.
Como já sucedeu anteriormente, ao fazer convergir a prática do sector com o objetivo de proteger a integridade dos sistemas e receitas fiscais, instituindo-se a comunicação obrigatória de contas financeiras, baseada na identificação dos beneficiários efetivos e na inoponibilidade do segredo bancário e fiduciário para efeitos fiscais.
– A inclusão do sector bancário na gestão destes desafios e riscos é, antes do mais, uma afirmação de que o cuidado da segurança nacional é uma tarefa que cumpre à comunidade no seu todo, resultante, desde logo, do imperativo ético-social que ninguém se poderá apresentar a fruir sem contribuir na medida da sua capacidade contributiva, e do desfasamento da ideia de acordo com a qual esta seria incumbência a cargo exclusivo do Estado no âmbito das funções de soberania.
– Tais alterações rasgam no horizonte do sector bancário a afirmação de uma cultura de colaboração, que de igual passo se entende constituir uma oportunidade estratégica para subir na cadeia de valor social, e para reforçar a sua perceção social como intermediário de confiança e fator de sociabilidade, atento designadamente o contributo para a preservação da liberdade, da democracia, da segurança e da prosperidade económica baseada na sã concorrência, além das suas funções económico-financeiras ditas tradicionais.
– A existência e o funcionamento dos meios de governo societário e de controlo interno a que se fez referência detalhada, sendo de primordial importância, não devem fazer perder de vista a sua natureza instrumental em face do desiderato da gestão sã e prudente na criação de valor, no cumprimento dos deveres éticos e fiduciários e na afirmação da responsabilidade social da instituição bancária.
– Advoga-se que o capital reputacional de intermediário de confiança é o atributo fundamental da licença social de uma instituição bancária e da sua vantagem comparativa. Este reconhecimento deve repercutir-se na gestão sã e prudente, em especial no processo de análise e de tomada de decisão, priorizando no topo da hierarquia de prioridades a criação de valor norteada por uma lógica de economia reputacional, com critério na prevalência da reputação sobre o lucro.
– O governo societário no exercício dos seus deveres fiduciários e de controlo interno deverá assegurar a prevalência da gestão de risco sobre a mera conformidade, em especial no arbitrar das assimetrias entre as possibilidades de inovação e a debilidade dos atuais mecanismos de regulação, supervisão e punição, em particular dos riscos, novos e conhecidos, e canais de sua transmissão, favorecendo o alinhamento do risco legal, do risco operacional, do risco reputacional e do risco estratégico com fonte nos fluxos financeiros ilícitos, fraude e corrupção em particular.
– Na atual fase, comportamentos nestes domínios, mesmo que não sejam ilegais, podem ser percecionadas como reprováveis e originar uma espiral de quebra de confiança, e até retirar à instituição bancária a licença social respetiva. O que atribui renovada importância a uma efetiva prática ética e proficiência técnica no arbitrar da questão “Não é proibido, posso fazer?”
– A afirmação da segurança nacional no epicentro das relações internacionais e europeias, em especial os desafios e riscos desencadeados pela weaponization of finance, o crime organizado e a (ciber)fraude financeira permite antever o reforço: a) dos requisitos prudenciais aplicáveis às instituições do sector financeiro, bancário em particular, no tocante à prevenção do risco colocado pela finança ilícita, rectius fluxos financeiros ilícitos, branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, do riscos de (ciber)fraude, financeira em especial, e de corrupção; e b) dos poderes de supervisão de natureza prudencial nestes domínios.
– A transformação em curso nas estruturas e condições dos mercados, dos negócios e o seu reflexo nos comportamentos e expectativas dos cidadãos, clientes, investidores, financiadores e outras partes interessadas interpela decisivamente os decisores público e privado a favorecer uma cultura de economia reputacional no sentido de se obterem as melhores vantagens para o País e para a construção europeia.
– O decisor público é interpelado a adequar e adaptar o enquadramento institucional, legal e de supervisão prudencial, designadamente através da articulação da maximização dos múltiplos benefícios sociais das novas realidades, ciberespaço em especial, e avanços tecnológicos com a minimização dos perigos, ameaças, vulnerabilidades e riscos da sua utilização indevida.
– Por sua parte, o decisor privado é interpelado a repensar a presença no mercado, o modelo de negócio e a proposta de valor fazendo-a convergir com as prioridades políticas e de supervisão prudencial colocadas pelo contexto que se apreciou. É central priorizar nesta convergência o que se advogou aquando da entrada em vigor do Aviso n.º3/2020, quanto à necessidade de ser promovida “uma alteração de mentalidades centrada em liderar pelo exemplo, no dia-a-dia, de que todos e cada um dos dirigentes e colaboradores são responsáveis pelo cumprimento das normas legais e procedimentos internos aplicáveis à sua função.”[1] É central, igualmente, priorizar a afirmação da instituição bancária como um cofre (ciber)seguro devido à qualidade da gestão dos riscos de fraude e de corrupção e dos meios de prevenção e luta contra o (ciber)crime (ciber)fraude financeira em especial.
– A experiência recente dá evidências de que, na origem das situações de irregularidades graves verificadas em instituições bancárias nacionais de referência, terá estado a debilidade do controlo e fiscalização interna, tanto quanto terá estado a incompreensão das implicações sociais, institucionais e de mercado decorrentes do aprofundamento da integração internacional e europeia, em especial a dinâmica da área do euro e a da cooperação internacional com enfoque na promoção da transparência e integridade dos mercados. Esta incompreensão foi conducente a sérios problemas na reputação do país e do sector bancário, a expressiva destruição de valor, a acentuada diminuição de propriedade e influência nacional em instituições bancárias de referência, e a solicitação de esforço fiscal inusitado e severo aos contribuintes.
– No reforço dos requisitos regulatórios e dos poderes de supervisão prudencial que se antevê, afigura-se necessário atribuir a devida ponderação às especificidades da economia nacional, ao impacto nas condições de concorrência das economias de escala que se pretendem favorecer, às exigências da proporcionalidade e da efetividade do processo (due process), incluindo, mas não só, do controlo e fiscalização da subsunção ao princípio da legalidade do livre arbítrio da administração pública, discricionariedade técnica em especial. Adotando-se com esta finalidade medidas adequadas à tutela da segurança e certeza jurídica, da liberdade de empresa prevista no artigo 16.º da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia, e de prevenção, designadamente do risco de derivas dogmáticas ou outras afrodisíacas tentações, no reconhecimento de que consagrados historiadores e agentes da sua realização, como Sir Winston Churchill, não disponham da outorga da credencial de licenciado em História.
– Ponderação esta que se entende revestir importância decisiva na afirmação do capital reputacional da Supervisão prudencial a ser Supervisão prudencial, como intermediação de confiança e derradeira linha de defesa da comunidade e da promoção do interesse público, sobre pena de se tornar inimiga de si própria e da comunidade.
– Através da mobilização em torno da prevenção dos riscos de fraude e de corrupção sinaliza-se um anseio de melhoramento social, concretizador do impulso de transformação social na origem de 25-04-1974[2] que constitui de igual passo uma mensagem de esperança no futuro.
– É que na origem da prioridade atribuída a esta prevenção estão mudanças reais no processo cultural e social delas emergindo uma nova mentalidade referente às regras sociais de convivência económico- financeira, concretizadoras da aspiração por uma nova cidadania económico-financeira, com ênfase na interligação entre liderança, integridade e responsabilidade que paulatinamente se afirma na tolerância zero à finança ilícita, rectius fluxos financeiros ilícitos, fraude e corrupção em particular.
– Tudo aquilo que se mencionou exige preparação às lideranças públicas e privadas na concretização de um amortecimento só viável através de políticas públicas, prudenciais e corporativas baseadas em hipóteses realistas e vocacionadas para a coesão e justiça social e a afirmação do sector como fator de sociabilidade, desde logo discernindo que a prevenção do risco operacional, legal e reputacional conexo aos fluxos financeiros ilícitos, à fraude e à corrupção em particular, coloca ao sector bancário primeiro e principalmente um desafio estratégico e de compliance.
– Certo é que à concretização deste indispensável amortecimento se entreabre um horizonte de mudanças de grande fôlego, com epicentro na segurança nacional, na economia reputacional e nas transições digitais e climáticas, numa dinâmica de economia de guerra, que tem mais importância para a evolução do sector bancário do que habitualmente parece ser reconhecido. Em face do que se julga ser crucial que todas as partes interessadas ponderem a necessidade de reforçar a confiança e a colaboração recíproca na procura de um equilíbrio sustentável entre liberdade, segurança e inovação, objetivos por vezes conflituantes, em “testemunho de responsabilidade e de alinhamento com o melhor ensino da História que gosto de sintetizar na divisa: não há longevidade sem integridade[3].
[1] Cfr. Pereira, M. (2020). “Portugal Empresário das cantinas foi um dos casos reportados”.
Expresso (p.35).20-09-2020 [declarações do autor neste artigo dedicado ao tema FinCEN Files].
[2] «O Programa do Movimento das Forças Armadas», publicado em anexo à Lei n.º 3/74, de 14 de maio, da Junta de Salvação Nacional, reclamava, entre outros propósitos, um «combate eficaz contra a corrupção e especulação».
[3] Cfr. Ribeiro, N.S. (2016) “Reputação ou Lucro”, InforBANCA, nº107, maio-agosto 2016, pp. 8- 10
Artigo escrito por Nuno Sampayo Ribeiro e publicado originalmente na Revista InforBanca
Nuno Sampayo Ribeiro é advogado, especialista em direito fiscal (O.A.), Fundador & Chief Reputational Officer, Greenwealth Reputação & Sustentabilidade, Professor Convidado, IFB – Instituto de Formação Bancária, IBFD – ITA Fellow in International Taxatio